Porta (A) da Vila de Óbidos

A Porta da Vila de Óbidos
 
Aguarela sobre papel
1913
Ver:
Exposição de 1918
Exposição de 1922
Revista da Semana de 1923-01-27
     Fazem parte do espólio de Roque Gameiro algumas aguarelas representando a Vila de Óbidos, pois o pintor deixou-se, frequentemente, prender pelo encanto que a povoação exerce sobre todo o visitante que aí se desloque. A terra preserva com carinho o seu aspecto de vila medieval e, ao longo dos tempos, vários artistas a representaram iconograficamente.
     A chamada Porta da Vila foi, nesta imagem, objecto de pormenorizada atenção. O ângulo de focalização incide sobre a capela-oratório consagrada a Na. Senhora da Piedade; destaca-se, igualmente, a parte lateral e o arco subjacente que se abre sobre a po­voação. É visível a intenção de dar maior destaque ao janelão de vidros quadrangulares, enriquecido por uma estrutura arquitectónica rematada por um frontão triangular. Ainda que não se encontre bem distinta ao olhar do observador, podemos, todavia, aperceber-nos de que o pintor simulou a efígie da Virgem, aplicando leves tonalidades de azul claro, que estabelecem contraste com a cor escura dos vitrais. O elegante varandim barroco, apoiado sobre duas mísulas, confere uma sensação de volume, pela projecção que lhe foi dada.
     Os quadros do pintor tornam-se expressivos pelo pormenor descritivo que valoriza a composição. Neste caso, podemos, inclusivamente, atentar nos motivos dos azulejos sete­centistas, que ornamentam as paredes, representando cenas da Paixão de Cristo. Em toda a composição estão patentes marcas que atestam a vetustez do espaço: foi expressivamente sugerida a textura das paredes acusando o desgaste imposto pela passagem do tempo e a rusticidade do pavimento irregular.
     As cores harmonizam-se numa escala cromática restrita de azuis e ocres amarelados, bem como de algumas tonalidades acastanhadas, aquecidas em certos pontos, por inter­médio de outras misturas tonais. Pela aplicação de um azul sombreado, tem-se a percepção de que a zona abobadada se eleva no espaço, gerando a ilusão de um certo distanciamento; estabelece-se, deste modo, contraste com a zona de luminosidade.
As duas figuras que se cruzam, além de introduzirem uma nota de dinamismo neste espaço, levam a que o olhar, depois de se fixar nelas volte, de novo, à grande janela que esconde a venerada imagem religiosa, fazendo, em seguida, uma nova leitura de todo o quadro.
Maria Lucília Abreu
in A Aguarela na Arte Portuguesa, ACD Editores, 2008
 
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