Auto retrato

Auto retrato
 
Aguarela sobre cartão
40 x 29,5 cm
     O pintor perspectiva-se numa posição a três quartos, permitindo uma melhor visualização da parte direita do rosto, ainda que envolto numa meia sombra.
     A imagem desdobra-se em dualidades de cores quentes e de cores frias. A grande superfície da bata que o artista enverga intensifica-se devido à incidência de luz que vem da direita do observador e que inunda grande parte do rosto, dando destaque ao expressivo azul dos olhos de penetrante acuidade, sob o arco espesso e escuro das sobrancelhas. Contudo, o tom predominantemente ruivo da barba que se prolonga em bico corta, antiteticamente, a mancha do branco luminoso da roupa sobre a qual uma sombra projectada dilui a uniformidade clara.
     Sob uma bela cabeça de testa larga de pensador, coroada de cabelos ondulados em que a tonalidade escura se mistura com breves madeixas de um quente tom fulvo, alonga-se o rosto de feições acentuadas, sugerindo uma certa austeridade, sensação justificada pelo facto de somente estar visível uma exígua porção do lábio inferior. A barba ruiva cobre quase totalmente os lábios, anulando a expressividade que a boca poderia, eventualmente, conferir às feições.
     O pintor retrata-se numa fase da vida, de plena maturidade. Este quadro notável revela, em simultâneo, o artista em pleno vigor artístico, e o homem que existia por detrás das feições meio encobertas pela barba que camuflava o seu verdadeiro "eu". Roque Gameiro não era um homem austero. A bondade e, sobretudo, uma grande humanidade sempre determinaram o seu comportamento, e são os traços que melhor definem o seu carácter.
Maria Lucília Abreu
in Roque Gameiro - O Homen e a Obra, ACD Editores, 2005
 
 
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