Avô II

Avô II
 
Aguarela sobre cartão
18 x 26,5 cm
     Ao longo da sua vida, Roque Gameiro fez algumas deslocações ao norte do país. Poderiam ter sido várias as motivações que o levaram a sair de Lisboa. Por um lado, a determinada altura do seu percurso artístico, procedeu a uma recolha de documentação a fim de efectuar estudos sobre velhos costumes de finais do século XVIII e de princípios do XIX. Com esse objectivo, deslocou-se ao Porto para efectuar pesquisas em bibliotecas e arquivos. Provavelmente aproveitou essa oportunidade para percorrer a Beira interior. Poderia ainda ter existido, da parte do pintor, o objectivo de conhecer lugares onde se revelasse o encanto da paisagem genuinamente portuguesa. Sendo um dos princípios da sua existência, a busca do que era intrinsecamente nacional, seria plausível que se sentisse atraído por uma região do país marcada por um forte tradicionalismo. É provável que naquela província possa ter deparado com revivescências arquitectónicas e paisagísticas livres dos inevitáveis estragos de um denominado "progresso". Na paisagem beira e nos costumes das suas gentes encontraria costumes ancestrais quase intocados.
     O pintor observa a paisagem de uma certa distância, captando uma perspectiva que lhe permitiu reproduzir a povoação repartida pelas margens opostas do rio, embora o plano esquerdo da composição esteja reduzido ao breve esboço de uma casa e do morro rochoso. As águas, marcadas por forte assoreamento, pouco reflectem da imagem da ponte e das casas. Todavia, a breve imagem que elas espelham, assim como o vasto areal, transmitem a sensação de que o plano do fundo recua no espaço, oferecendo uma perspectiva mais ampla da aldeia. A povoação lembra um presépio, dada a configuração das casas que descem como que em socalcos até à margem. A vetusta azenha, representativa de um tipo de vida definitivamente eliminado no nosso contexto epocal, permite-nos pensar que o tempo nos fez recuar até ao momento em que o artista fixou para sempre a paisagem. A presença das figuras femininas humaniza o espaço, conferindo-lhe uma nota de vida.
     O cromatismo de suaves tintas acentua essa impressão de calma que nem a actividade das lavadeiras consegue alterar.
Maria Lucília Abreu
in Roque Gameiro - O Homen e a Obra, ACD Editores, 2005
 
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